Notas sobre multidisciplinaridade em Oleannas

Compartilhar

por Gisela Gueiros

A peça Complexo de Oleanna, escrita por Rafael Vogt Maia Rosa, em 2019, ganhou vida em

uma exposição online. Por conta da pandemia em 2020, o autor convidou artistas de várias

disciplinas para colaborarem e participarem de leituras via Zoom. Essa espécie de oficina

virtual resultou na formação de um grupo que inclui Rose Klabin, Seth Wulsin, Bruno Dunley, e

o próprio Rafael. O texto foi abordado de forma multidisciplinar, sendo a teatralidade o

dispositivo central do experimento.

Nesse projeto, as múltiplas ansiedades teóricas de Rafael misturam, intercalam e acolhem

diversas formas de expressão. Interconectadas, elas se densificam – teatro, música, artes

plásticas, colaboração. Como ele descreveu: “há uma clara continuidade entre todas as formas

de expressão. São todas uma. O importante é se aproximar pelo ângulo que lhe servir melhor”.

Daria para pensar em sua prática como uma atividade criativa, uma investigação interessada

na humanidade. Suas composições em múltiplas mídias revelam a singularidade de seu

repertório, a variedade de fontes de onde brotam os trabalhos – os diversos estudos de

instrumentos, desenho, os pais artistas plásticos, a formação antroposófica e, depois, uspiana.

As aquarelas e desenhos de Oleannas (2019-2022) surgem como recorte de uma paisagem

imaginada – uma all over composition que também ressalta essa expressividade que

aparentemente independe da mídia escolhida por ele, mas que se coagula na aquarela sobre o

papel. Há uma calma no caos, imagens que nos colocam em estado de delírio, mas também

nos deixam alertas – em busca de formas identificáveis em meio às manchas descontroladas

de cor. Há figuras humanas, corpos femininos expostos, flores, pássaros, peixes, e a mata

exuberante que se mistura com toda e qualquer figura.

Sem Título, da Série o Vetor do Curió

Como na descrição que Calvin Tomkins faz sobre o corpo de mulher esculpido em “Étant

Donnés” (1946-1966) na biografia de Marcel Duchamp (em tradução livre): “Totalmente exposta

e aberta pela posição de suas pernas, sua vulva sem pelos atrai o olhar do espectador como

um ímã. Há algo anatomicamente peculiar nesse orifício escancarado; não tem lábios internos

e, na segunda ou terceira vista, começa a parecer perturbadoramente uma boca vertical

falante. Seu olhar continua voltando à ‘dita-cuja’ articulada e à lâmpada fálica erguida e à

cachoeira distante”. Uma dança para os olhos – entre corpo e espaço.

“Aquarela do Brasil” é um desenho animado produzido por Walt Disney em 1943 estrelando o

Pato Donald. No Brasil, Donald recebe aulas de dança de Zé Carioca. O curta apresentou as

músicas “Aquarela do Brasil” e “Tico-Tico no Fubá” ao público norte-americano. Desenho,

música, cinema/televisão integrados. Em sua visita ao Brasil, em 1941, Disney foi recepcionado

pelos avós maternos de Rafael, no Rio de Janeiro, como mostra a foto em preto e branco

guardada por ele como um talismã.

Oleannas 4

O pianista Thelonious Monk, segundo Geoff Dyer, no livro But Beautiful: “Você tinha de ver

Monk para ouvir sua música corretamente. O instrumento mais importante do grupo era seu

corpo. Ele realmente não tocava piano. Seu corpo era seu instrumento e o piano era apenas

um meio de tirar o som de seu corpo na velocidade e na quantidade que ele queria.”

Para o artista inglês Keith Tyson, “Há uma grande diferença entre o tema de uma pintura e seu

conteúdo. As flores são obviamente um grande tema para um pintor porque utilizam os

mesmos fenômenos que uma pintura; ou seja, cor. Basta torcer o pulso e surge uma espécie

de pétala. São estruturas delicadas incorporadas em um ecossistema. Eles também são

exuberantes; no sentido de que são os órgãos reprodutivos de uma planta. Mas então, uma vez

estabelecido como tema de uma pintura, começa-se a explorar o conteúdo possível – que

literalmente pode ser qualquer coisa. Isso surgirá com o tempo e pode ser bastante

surpreendente. Quando eles funcionam, cada pintura se torna um universo em si.” Cabe o

mundo em uma flor.

“A música ressoa em tantas partes diferentes do cérebro que não podemos concebê-la como

algo isolado. É com quem você estava, quantos anos você tinha e o que estava acontecendo

naquele dia”, diz David Byrne. “Música dá corpo ao tempo”, diz José Miguel Wisnik.

“A aquarela em si, com sua qualidade aquosa, tem algo de sexual. Molha o papel cuja trama de

algodão recebe a umidade colorida. Os corpos, nas aquarelas de Rafael Vogt, são vistos

através da paisagem – há inocência e romantismo. Podemos nos perguntar: onde acabam

esses corpos, onde começam as paisagens? Seriam os corpos também paisagens a serem

visitadas, ocupadas, descobertas e/ou imaginadas?”

Sem título, da série Senhor das Nuvens

Texto de Gisela Gueiros

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

BANNER_BLOG_BLOMBO_340x340

Categorias

obra de arte a venda na blombo
e-book aumentando sua receita
infográfico usando a internet a seu favor