Não temos a menor ideia de quantos milhares de rapazes brasileiros de 22 anos estão neste momento infelizes ao ponto do desespero e procuram algum (falso) alívio usando droga. Muito menos sabemos quantos deles chegarão ao extremo de matar-se. O que podemos ter certeza é que, nem por isso, seus desenhos e rabiscos entrarão um dia num museu. É necessário ir além do sofrimento.
Questões assim me ocorrem diante de uma exposição como a do mineiro Pedro Moraleida, nascido em 1977, suicida em 1999, a qual se encontra no Instituto Tomie Ohtake. Como são complexos, estranhos, misteriosos os caminhos da criação! O sofrimento não é condição obrigatória para que a obra de arte nasça (o grande Volpi visivelmente não sofria), mas em certos casos o sofrimento integra a obra e até faz parte da qualidade. A arte deste jovem Pedro Moraleida é sem dúvida penosa, tanto em sua origem quanto em sua contemplação. Suas figuras e formas distorcidas, os traços perturbados, as cores intensas, os textos um pouco delirantes que inscreve, tudo nela é difícil e angustiante. Enquanto expressão pessoal, dá vazão à dor mais intensa, à agressividade contra o mundo e o homem (inclusive, é claro, contra si mesmo), contra a religião institucionalizada, inclui uma forte questão sexual, solta gritos radicais, urgentes, pedidos de socorro altíssimos. Não há dúvida de que se trata de grande arte – mas está machucada e machuca. É este o maior paradoxo da arte. No nível do que diz, nos temas, pode doer – pensem em qualquer crucifixão sangrenta –, mas pela maneira de dizê-lo, pela linguagem, o resultado encerra sempre um tipo de prazer. Nenhum de nós é masoquista e no entanto vamos ver e gostamos de uma exposição como esta. Trata-se da beleza terrível, tão diferente da habitual mas beleza do mesmo jeito. No plano humano, seria tão bom se Pedro Moraleida estivesse aqui com sua família, mas já que não pôde ser assim, pelo menos sua obra o conserva vivo.
E para terminar, parabéns ao Tomie Ohtake, que neste momento tem duas das melhores exposições da cidade; a outra é a de Karin Lambrecht.
Serviço
Pedro Moraleida – Canção do Sangue Fervente
Instituto Tomie Otake
Av. Brigadeiro Faria Lima, 201, Pinheiros, São Paulo
Terça a domingo das 11h às 20h
Até 17/02